quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Eu sirvo pra ser mãe



Até agora ser mãe pra mim tem sido servir, e eu percebi isso há apenas alguns dias. Eu me incomodava com a ideia e a sensação de ter meu corpo tomado por outro ser desde as minhas entranhas, meus órgãos mais íntimos, meus seios, minha fisiologia, minhas ações, meu tempo. Ser assim arrebatada por uma invasão sem limite que mostra que nada me pertence, que eu não sou meu corpo nem meu tempo, muito menos minha mente e meus pensamentos. Tudo está tomado por outro ser. Isso ainda me incomoda, mas só porque mostra uma verdade inquietante. O que sou eu afinal, nem ouso pensar em responder. Vai que me tomam? 

Mas esta sensação de nada meu não é nada comparada à vida do meu bebê. Este sim tem um corpo que não o pertence, não está afinado com suas vontades e é manipulado por quem desejar assim fazê-lo. Os pensamentos e emoções dele são tão invadidos pelos de fora que ele mesmo se confunde em saber o que nasce nas suas sensações e o que é estrangeiro. Suas funções fisiológicas e emocionais são totalmente dependentes do outro, um outro tão invasivo e grande que ele confunde com ele mesmo. O que é ele, e o que não é, agora é impossível definir pois ele vive na invasão constante, ou fusão, no psicologuês. 

O meu trabalho agora, e o trabalho mais importante que eu tenho feito desde que recebi uma célula no meu ventre fértil, é serví-lo. Servir como uma escrava ao seu senhor, como um serviçal ao seu rei. Estar disponível, disposta, fazer o que for necessário, o que me pedir, o que precisar. Não há nada mais difícil que servir com amor, por que o meu desejo é que meu senhor se sinta bem, atendido nas suas necessidades, que ele não se preocupe com nada daquilo que me pediu, que ordem dada seja ordem cumprida, mesmo que seja difícil, mesmo que me deixe marcas, mesmo que meu senhor não saiba o que me custou trazer aquela bandeja. Quero que ele se sirva a vontade, que repita se desejar, que coma com todo o prazer que seu corpo puder produzir, e quero que me mande buscar mais. Se é para a sua felicidade, meu amo querido, eu vou. 

Parece ruim? Tem muitos momentos em que eu não quero, mas não tem como desistir. É apenas uma lição nesta vida relâmpago, uma das mais valiosas. Servir é uma arte que nos faz perder o apego a nós mesmos, nos faz olhar pra frente, pra cima, pra dentro. Para servir bem é preciso amar, desejar, conhecer, ter ação e coragem. Eu sempre gostei de servir, não é por acaso que cozinhar é uma paixão e que eu escolhi ser doula e psicóloga. Mas eu jamais, em nenhuma dessas atividades, seria tão convidada e ensinada a servir por puro amor como faz comigo a maternidade. Obrigada por mais esta grande lição, meu pequeno senhor. 

domingo, 27 de janeiro de 2013

Corajosa, você!




Quando eu digo que pari em casa, muitas vezes recebo de volta um 'corajosa'. 


Não sei se a coragem que me atribuem é por ter enfrentado a dor do parto de cara limpa ou se é por ter arriscado a minha vida e a do meu filho por causa de um modismo (como diria Alexandre Garcia). 



Sou corajosa mesmo, mas não por ter arriscado a vida de ninguém, pois sou corajosa mas não sou burra. Quem ainda acha que parto domiciliar é um modismo idiota deveria se informar antes de falar sobre algo que não conhece. Posso indicar livros, textos, sites e autores se quiser. 

E a dor do parto... bem, parir dói. Em casa ou em qualquer lugar, cesárea ou normal, não tem como fugir. Dá pra amenizar, adiar, mas parir sem dor são pra poucos partos naturais. Parir sem anestesia dói mais mesmo, foi preciso coragem. 

E coragem, bem, pra ter um filho é preciso coragem, e estou treinando minha coragem desde que vi as duas listinhas no teste de gravidez. É preciso coragem pra vomitar tudo o que come por 4 meses e manter a sanidade mental, pra olhar no espelho e presenciar o trabalho do seu corpo construindo um ser humano nas suas entranhas, pra pensar em uma forma de reorganizar sua vida e seus relacionamentos, pra olhar pra dentro e ver sombra e luz. 

É preciso coragem pra perder aquela barriga enorme do dia pra noite, de ver ela murcha e flácida. Coragem pra dar o peito rachado na boca de uma criança que suga com uma força que não condiz com sua pequenez. É preciso coragem para pegar um bebê pequenininho no colo e sentir tanto amor, tanta paixão por um serzinho que não te dá nada além da luz da sua própria existência. Sou muito corajosa, pois a coragem é um ato de cada vez, e no fim de um dia, meu ser é todo coragem, pronta para mais, pronta pro amor e pra entrega. Pra se entregar deste  jeito, é preciso.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Da mãe pra Terra





Tenho a intuição que um dos papéis da mãe é conectar energeticamente a criança ao planeta Terra. Este espírito que chega e precisa se ajustar a um corpo denso, ao ar, ao peso, às energias tão diversas que povoam este planeta, não conseguiria fazer isso de uma forma abrupta. Precisa de um intermediário que possa guiá-lo neste começo, emprestar seu corpo e suas energias pra que este processo aconteça devagar e efetivamente. Somos a pele onde eles dormem, o cheiro que respiram, o leite que os alimenta. E então quando se sentem seguros começam a respirar mais fundo, a tomar seu corpo pra si, a sustentar o próprio peso e firmar o pé na terra. Quando sentem que o planeta é tão generoso e amoroso quanto sua mãe, podem aos poucos se entregarem à existência. É uma honra e enorme responsabilidade fazer esta conexão. Por isso o feminino é tão ligado às forças naturais, por isso os ciclos lunares, para que este papel seja bem realizado. 

sábado, 19 de janeiro de 2013

Carta ao bebê que não dorme



Sabe, meu anjinho, desde que você chegou eu vejo o quanto você aprende todos os dias.

Vejo você crescer fisicamente e como um ser único e incrível. 
E talvez sua dificuldade em dormir seja uma questão de aprendizado. Você se lembra que quando chegou aqui, não sabia mamar? Então ficamos juntos, conversamos, tentamos juntos, e você aprendeu. Para seu sono, também estou aqui, e iremos juntos novamente.Para te ensinar isso, meu filho, tive que prestar atenção no que é o sono. E aprendi também, obrigada por isso.

Quando o Sol se cansa e deita atrás do morro, a Lua começa a aumentar sua luz branca para nos trazer na escuridão um cheiro suave de tranquilidade, harmonia e paz. O manto de estrelas brilha longe e complacente com o descanso dos nossos corpos. Antes que a noite se instale, é sua hora de dormir. Os passarinhos se ajeitam cedo, as flores começam a se fechar, as borboletas se escondem... está na hora meu amor.

O sono chega no corpo devagar, vai invadindo as sensações. Os olhos pesam, o corpo começa a relaxar, a respiração precisa ficar pesada. Você pode confiar no seu corpinho, meu pequeno. Ele é um Ser e um Templo que precisamos respeitar e amar. É muito sábio e sempre nos avisa das suas necessidades. Ele te conduz nessa dança lenta da entrega. Por que o sono, filho, aprender a dormir, é aprender a se entregar. É ter a tranquilidade de entregar o controle do seu corpo e dos pensamentos. Pode ser difícil, para nós que já vivemos anos neste planeta, pode ser ainda mais. 

Só que você é um lindo bebezinho, meu filhote, e tem pra você uma mamãe enorme que te aconchega, te nina, te acaricia, canta sussurrando no seu ouvido, te embala com amor, sempre que você quer dormir. Aproveita isso, filho, pois mais tarde você vai querer este ninho de dormir, vai até mesmo precisar, e pode ser que neste dia não exista uma mão carinhosa pra afagar sua cabeça. 

Aproveita sua vida de bebê, para que quando você crescer tenha se saciado de tudo o que lhe foi oferecido, e que esteja pronto para buscar outras coisas, coisas de gente já crescida. 

Olha, meu amor, eu entendo sua relutância, por que se entregar não é mesmo muito fácil. Mas eu confio que você vai aprender, como já aprendeu tantas coisas na sua vida breve. Relaxe completamente, sinta a noite que se aproxima e se entregue no colo quente da sua mãe. Sempre que eu puder, por toda a minha vida com você, eu oferecerei meu colo para que você aconchegue seus cabelos cacheados, mesmo quando já estiverem brancos. Mas eu não serei seu mundo por muito tempo, não serei tão grande e confortável eternamente. Se entregue neste colo que te ama, de mãos dadas com seu sábio corpo, e adormeça meu filho.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

A boa mãe




Dizem que sou boa mãe. 
Para uma mulher com quase quatro meses de maternidade que tem este desejo é um elogio imenso. Mas grudado no elogio vem o brinde: " se fosse outra não teria feito metade, ou teria feito algo ruim." Neste momento meus olhos param de brilhar de orgulho, me soa muito estranho isso. Talvez por que a medida de boa mãe não quero que seja pautada pela maternidade alheia. 
Não é por que existem muitas mães negligentes que eu posso ficar feliz em ser medíocre, já que medíocre é melhor que negligente. Também não posso pautar a qualidade da minha maternagem pelo ideal de Mãe que habita minha alma, pela Deusa Mãe que tudo dá. Seria viver em frustração, silenciar outras partes do meu Ser, seria ser incompleta e por isso jamais poderia tudo dar. 
Pensei que poderia medir pelo tanto que sou adequada as necessidades do meu filho, por ser PARA ELE uma excelente mãe, que é o que me importa. Mas me lembro que um ser humano jamais completa outro, seja em qualquer tipo de relação. Me lembro que se por acaso acontece do filho tentar por tudo completar a mãe, então a mãe tem um filho esquizofrênico que não é um ser autônomo, mas que vive no lugar de um falo que a mãe jamais poderia ter. Um pouco de frustração é o que nos faz seres que se movimentam pela vida, como bem falam minha psicóloga e o mestre Winnicott. Então mesmo que eu tentasse com todo o meu ser completar meu filho e ser a mãe perfeita, eu não conseguiria por que não posso alcançar - ver ou resolver - todas as suas necessidades. 
E o que me resta como parâmetro, como posso ter a tranquilidade interna, o afago egóico de que estou mesmo sendo uma boa mãe? Melhor fazer o melhor, e ainda assim deixar de lado, e como sabiamente disse Cláudia Rodrigues, a boa mãe do Buena Leche na sua reflexão bem melhor que a minha: " Não te orgulhes de feitos e bem feitos, fazes melhor de olhar os malfeitos e, quem sabe um dia, reparar com teus netos. Aceita, recebe e admira, eles vieram depois, estão além de ti. ". 

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Ele não é isso nem aquilo




O texto de hoje não tem pensamento em poesia. São só reflexões de uma mãe bebê, com três meses e pouco de idade. 
Para dar o melhor para o meu filho não gasto dinheiro diretamente. Acabo gastando mais com coisas que a maioria gasta menos, sendo o oposto também verdadeiro. Mas meu maior gasto é com o tempo. Me proponho a estudar educação infantil e a desenvolver e acreditar na minha intuição e isso requer tempo em diferentes níveis.

Estou aqui todo dia, observando, amando, conhecendo, testando. É preciso se organizar e também de ajuda. Acompanhar um ser no caminho da vida é o exercício da espera, só o abacateiro sabe quando o tempo trás seu abacate. Quando olho outra pessoa, principalmente quando é meu filho, nunca conseguirei olhar diretamente pra ele, olho por uma lente que faz parte de mim. Olho com meu olho sujo de mim mesma. É preciso doses infinitas de tempo cotidiano e de tempo abacateiro para que eu conheça e reconheça cada cisco que não é dele. Se não é dele é meu, e isso dói e me traz a bela oportunidade de limpar.

Eu leio, as pesquisas me mostram o que é prejudicial e o que parece ser melhor. As opiniões baseadas em lógica e em amor são recheadas de bom senso. O que nada disso me mostra é como é meu filho e do que ele precisa. Eu sou encantada por muitas teorias humanistas e de educação livre, acho lindíssimo e sonho com uma família assim. Mas essa é uma "sujeira no meu olho". Na época em que estamos, eu e meu pequeno, encontro textos lindos na rede, em livros e artigos sobre como a relação entre a mãe e o bebê era livre na pré-civilização e como nossa fisiologia funciona, e assim deveríamos tentar nos aproximar da caverna o máximo que pudermos. Acho muito importante se lembrar disso neste mundico veloz de androides, mamadeiras, babás e carrinhos de 4 mil reais, mas na minha experiência tentar seguir isso por que se mostra melhor para os bebês foi uma armadilha da qual ainda não saí.

Minhas reflexões pessoais me fizeram lembrar que há poucas gerações os bebês nasciam de olhos fechados e as primeiras tentativas de palavreado eram comuns depois de um ano de idade. Os bebês que nascem hoje não são como os que nasceram a milhares de anos! Existe algo neles que a humanidade nunca viu antes, e os filhos deles também trarão uma novidade. Não posso dizer, por simples falta de sabedoria, em que âmbito do humano esse novo bebê é diferente, mas através da minha experiência afirmo que é preciso ter cuidado para não colocar qualquer teoria, mesmo essa minha, na frente da cara do seu filho.

Olha pra ele! Ele quer mesmo dormir grudado no seu corpo ou prefere ficar no bercinho ao lado da cama? Ele quer mesmo ser criado livre ou precisa de um direcionamento e muitas regras? Ele quer te pedir pra mamar ou prefere que você ofereça? Ele quis nascer na água ou precisou ser retirado por cirurgia? É difícil quando perco o controle, é difícil olhar e ver que ele não vai simplesmente aceitar e concretizar meu sonho, que ele não é a estatística de uma boa pesquisa nem a opinião amorosa de um bom educador. Por isso preciso de tanto tempo, pra conhece-lo e a partir dele cultivar minha intuição. Só assim, com todas estas ferramentas e olhares, é que poderei ser uma boa mãe. Uma mãe melhor, não do que você, mas do que eu seria se fosse cega sendo levada pela boiada como mais uma vaca na paisagem da maternidade.                                                               

domingo, 13 de janeiro de 2013

Apenas uma mãe



Tenho passado alguns dias muito tenebrosos, as vezes tristonhos, às vezes raiventos, por que meu precioso Pepê acorda muito durante a madrugada e eu estou em privação de sono há muito tempo. Em uma semana ruim, na terapia, percebi que tudo o que eu queria era ser uma mãe comum, com o filho nos braços. E me sentia tudo, menos isso. Me sentia muito longe disso.
Hoje eu estava colocando meu pequeno pra dormir e percebi que aquele momento era único e precioso. Ele  com aquele corpinho entregue ao meu colo, totalmente relaxado, os olhos fechados, a boca suja de leite encostando no meu peito. Uma mãozinha espalhada sobre o outro peito, agarrando um pedaço da blusa. O outro braço jogado pra baixo, tocando meu quadril. As bochechas desenhando um rosto angelical, sublime, perfeito. Aqueles cabelos revoltos, bagunçados, a cabecinha cheirosa. 
Me imaginei anos na frente, contando pra ele como ele era um bebê lindo. Que ele ficava assim no meu colo, que quando estava adormecendo fazia caretinhas de choro ou de sorriso, que ele começou a falar nenenhês com três meses, e em poucas semanas contava uma história atrás da outra na sua língua, às vezes brigava um tempão, falando coisas que nem ele entendia. Que ele amava o banho, mas que chorava muito pra vestir a roupinha. E que sempre acordava com um humor lindo, sorrindo muito com os olhos brilhantes, olhando pro cabelo da mamãe, o que me deixava toda derretida. E que ele era cheio de dobrinhas, só tomando meu leite, que a pediatra ficava olhando pra ele e dizendo como ele era lindo! 
Então me dei conta da grandiosidade daquele momento, do presente, que era eterno, e que vai ficar no meu coração pro resto das nossas vidas. Eu jamais vou me esquecer deste corpinho entregue e deste amor imenso que eu sinto. E então percebi que eu sou irmã de todas a mães, que este sentimento tão sublime é o mais comum no mundo, e que eu era só uma mãe, como qualquer outra, com o filho nos braços.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Sua boca no meu peito, mamiferamente.




Na gestação eu li muito, antes mesmo da barriga chegar, por que sou doula. Mas senti algo como uma preguiça em preparar os seios. Tomei uns três banhos de sol, puxei um bocadinho os mamilos. Só. Entendi que era uma intuição me dizendo que não adianta ou não precisa.
Mais do que preparar meu peito, eu pensava como que vai ser quando uma boca sedenta encontrar meu mamilo? Não sedenta de prazer, mas de leite. Não sedenta de me ver gemer, mas querendo sentir minha presença envolvendo como água morna. Será como minha cabeça vai ficar quando isso for prazeroso? Me questionei e não procurei responder.
O Pedro nasceu em casa, e logo foi pro meu colo, pro meu peito. Pra nós foi muito estranho, não nos acertamos naquele dia. Sabe como é, tínhamos acabado de nos conhecer, estava todo mundo olhando, comentaram sobre meu mamilo ser pequeno. Brochamos. Ficamos tentando uns dias, mas estava sem jeito.
Uma madrugada dessas, quando nossos corpos se tocaram, o amor tomou conta do meu peito, eu o olhei na penumbra, tão tudo, tão o universo inteiro em um corpinho pequeno...
Ficamos juntos pela madrugada, ele teve tempo de ir pela quietude da noite me tateando, me cheirando, testando. Quando o sol dava sinal já estávamos nós dois conhecendo um o corpo do outro. Boca e mamilo sabiam o caminho agora. A sensação no peito não era boa, era o estranhamento da humana agora se vendo mamífera igual a qualquer bicho. Rachou um pouco, doeu de cheio.
Agora amamentar é fácil e gostoso com um tipo de prazer que não é genital nem orgástico, mas há gozo. Quando meu leite jorra do peito cheio me sinto poderosa e amada como Gaia e sua carne fértil que alimenta seus filhos. Faço este milagre todos os dias e é tão simples quanto botar o peito pra fora.




quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Parir é




O parir é, desde o inicio da experiencia humana nesta esfera azulada. 
Esta sentença seria uma novidade revolucionária mas é apenas o óbvio esquecido entre hospitais, mãos masculinas, medo e bisturis. Parir é, não somente por que é um ato inaugurado junto com a humanidade, mas também por que cada parto é um evento fora do tempo. 
Durante o parto, aquela que se abre para a chegada da vida se vê diante da passagem inevitável para o infinito. O parto acaba e é como se ele não tivesse começo, ele passa e é como se não tivesse fim. A cada visita da memória ele se mostra como novidade através de algum elemento que antes era despercebido ou da visão renovada do conhecido. 
Sabemos, irmãs, no profundo da nossa alma, da existência dessa porta atemporal. Sabemos que ali dentro pode habitar parte do nosso Ser infinito e grandioso, aquilo que nos contém. O medo do parto é também um medo de si mesma, é um medo da montanha que emerge na ausência do tempo. Quando não há o Tempo para organizar nosso ser em passado e futuro, o presente pode ser ensurdecedor. O medo é um defensor, um guerreiro que cuida das fronteiras. Com gratidão a ele, passamos pela porta no parto, e do outro lado cada uma de nós vê o infinito de si mesma e de toda mulher que já existiu.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Maternidade do Impossível

Fotografia de stock: woman lying naked on an asylum floor





Queria engravidar e não podia. Podia engravidar e não conseguia. Não conseguia um, não conseguia dois, conseguiu oito. Sangrou. Teve medo. Vomitou. Enjoou. Vomitou muito. Se desfez, escorreu, se esvaiu. Enjoou. Cansou. Não andava, não comia, mal falava. Morreu. Tomou muito remédio. Despertou pouco. Andou lento, falou lento, respirou raso, trabalhou lento. Terapia, sonho, cansaço, terapia, desenho, terapia. Engordou. Cresceu e gostou. Pariu.
Dor na vagina, dor no corpo, dor na alma. Dor nos seios. Rachou o mamilo. Não dorme. Sente medo. Dorme pouco. Não dorme. Sente medo, sente raiva, sente sono, sente raiva, sente sono. Terapia, cansaço, sono, sonho, terapia, desenho, sono, terapia, leitura, sono, terapia, sono. Sono. Sono. Irritação, raiva, terapia, tristeza. Cansaço. Chegou ao limite um, chegou ao limite dois, chegou ao limite três. Terapia.


GUEST POST: A nova era em mim, uma nova era de mim






Por Marianne Lima M.


Eu, senhora do meu destino, rainha do meu caminho, xamã das minhas curas, mãe das minhas escolhas, preta-velha das minhas preces, santa das minhas orações, militante da minha história. Eu, sangue do meu punho, me descubro no calvário e martírio de ser além da mulher, além do homem. O peso de ser humanidade. Me faço e me faço a cada trajeto, a cada esquina, a cada parada. Me refaço no coração e na mente. Me refaço no riso e na lágrima. Me refaço na dor e no êxtase da vida. Me refaço na pele e nas entranhas. Me sou estranha. Às vésperas do século do meu nascimento, esta nova eu me fala como sábia, porque é sábia, que tudo é parte da história que não é só minha, é de todos nós. É a história das minhas descobertas de mim, é a história do meu eu no outro, do outro em mim, história humana, poetizada nos versos da emancipação feminina, e da masculina. Eu, sedenta de prazer e poço legítimo de desejos libertários, quero mais! Quero desbravar o mundo, desbravar o âmago, desbravar minhas possibilidades. Incendiar a discórdia. Incomodar! Musa do desatino, da contradição! Inatingível, frágil, insaciável... Quero pintar num quadro vivo da minha forma disforme o relexo dessa sociedade hipócrita, que também está inteira em mim, que me contém, que me engole, e a qual eu engulo, como, mastigo. “Não seja!”, “Não faça!” “Não transe!” “Não ame!” “Não queira!” “Não questione!” “Não vá!”. Mas eu fui, do verbo ir. Eu fui, do verbo sou. Eu vou do verbo posso ser. Ser o que não conheço, mas reconheço, e desconheço. Pois é um outro começo de mim... Em que me vejo madura, certeira, serena e destemida. Numa insurgência interna, uma auto-insurgência, que se encontra na plenitude com a tua. E se funde como uma só. Uma plena insurgência! Venha minha nova era... Revolucione! Sinta latejar no teu ventre as possibilidades das tuas asas, da tua força, dos teus pulmões, do teu céu, do teu bando. Sinta o sal das tuas lágrimas escreverem triste e alegremente no teu rosto “Amor!”. Sinta o movimento dos teus quadris, daquele que sente e do que proclama, recitarem “Livre!”. Sinta o brilho dos teus olhos exclamar “Vida!”. Mal posso esperar para sentir meus mistérios doces sorrirem nos teus lábios maliciosos. Mal posso esperar para degustar o gosto do mel sedutor da nossa saliva. Mal posso esperar para te encontrar, e nos ouvir dizer:
- Prazer, Primavera!


Marianne Lima Martins




domingo, 6 de janeiro de 2013

Chegou a hora

                        Fotografia de stock: Nude Woman with Cloth Flying in Sun




O caminho de uma vida feminina é cheio de oportunidades, belezas e flores. Muitas de nós perdemos isso, passamos pela luz de olhos fechados, por que o nosso poder foi por muito tempo silenciado. Chegou a hora de dar voz. Temos o privilégio de, desde muito pequeninas, sermos cuidadas e aprendermos a cuidar. Aprendemos a expressar nossos sentimentos, a compartilhá-los, a ouvirmos umas as outras. Aprendemos a desejar o melhor para nós, a nos cuidar como a uma joia rara, a nos enfeitar e nos perfumar com amor.
A Natureza, nossa Grandiosa Mãe, nos confiou uma bênção imensurável, pela qual todas nós devemos gratidão. É através de nós que a humanidade permanece, é do nosso corpo que ela se nutre, no nosso colo que ela descansa. Isso é muito sagrado, é uma dádiva que compartilhamos. Todas, mesmo aquelas que não podem ter filhos, ou que não desejam tê-los. Isso por que todas somos Uma. Todas nós já parimos cada ser humano deste planeta, o carregamos e o amamentamos, e a cada vida que renasce, é em nós que ecoa seu choro.
Essa bênção que carregamos manifesta todo o seu potencial e energia no mundo material através do nosso aparelho reprodutor. Nossa vagina, nosso útero e nossos ovários são altares sagrados, são portais de comunicação com o Todo, com a Unidade, com a Vida e com a Morte.
Ao longo do silêncio por que passamos, nós perdemos o contato com este altar divino, ele foi entregue à medicina, ao tempo corrido, à impaciência. Agora vamos retomá-lo.
A vagina é um túnel suave, molhado, caminho de chegada de todos a este planeta. É o canal do amor, da receptividade, da força que acolhe, do rio suave e ritmado. É o prazer de receber. O útero é o mistério, a escuridão da noite, a lua que enche e se esvazia, o véu escuro entre a vida e a morte, o lugar do crescimento e do sangue, embaixo da terra úmida e negra, o recolhimento antes do amanhecer. Os ovários são a árvore da vida, o fazedor de frutos, o fruto do desejo, da paixão, a explosão, a expansão.
O caminho feminino é também muito solitário. Isso não é ruim, pois é a manifestação das infinitas possibilidades divinas. É solitário por que é intuitivo, subjetivo e individual. E mesmo assim somos tão abençoadas que compartilhamos umas com as outras os nossos caminhos. Andamos em estradas diferentes de mãos dadas, abraçadas com o peito no peito e ventre no ventre umas das outras.
A partir de agora você abre os olhos da sua alma para a sacralidade que é ser mulher, olha para si mesma, para o seu corpo e para as suas irmãs com amor e reverência, e se coloca à disposição para relembrar toda a força que brota naturalmente de você. E então você agradece.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Parto e Sagrado


Este texto foi produzido para uma palestra que eu ministrei em uma roda de conversa entre várias figuras interessantes da humanização do parto aqui em Brasília. O evento se chamava Rosa dos Ventres, e foi uma honra participar junto com pessoas queridas como Paloma Terra, Carla Daher, Dawn Marie Chaloux, Adèle Valarini... Foi um ótimo momento!

Fotografia de stock: Pregnant woman preparing for water birth mid…


Minha ideia é apresentar alguns pensamentos para que nós possamos construir juntos a relação entre parto e sacralidade. Primeiramente, a minha proposta neste texto não é falar de religião. Aliás, a minha proposta é não falar de religião. A palavra “sagrado” colocada no meu tema, fala sobre uma forma de experiência desvinculada de instituições e dogmas, e que diz respeito à experiência humana de maneira geral.
Sobre isso podemos falar, tendo em mente que cada um tem as suas experiências, e são sempre diferentes do outro. Quando eu falo de parto sagrado, eu não vou falar da minha experiência de parto, por que não tive, nem da sua, por que não conheço. Mas vou tentar, conversar sobre abrir uma possibilidade de vivenciar o parto como uma experiência com estas características, do sagrado enquanto estado mental, como um sentimento, uma experiência interna e individual.
O Sagrado é um estado que não pode ser explicado nem simbolizado, só pode ser experienciado. O mais próximo que podemos chegar de falar sobre o sagrado é citando sensações que são reflexo deste encontro, palavras como solenidade, arrepio, temor, assombro, sobrenatural. É uma experiência que diz para aquele que a vivencia sobre o divino, sobre ser e poder, sobre a revelação da verdade. Sendo assim pode ser uma experiência que surge tanto de um ritual da sua fé, quanto de coisas muito simples. Até mesmo do parto.
Em segundo lugar, antes de entrarmos no tema propriamente dito, eu gostaria de lembrar a importância do corpo para o tipo de experiência da qual estamos falando. O pensamento sobre o qual está a nossa forma de funcionar socialmente divide o homem entre mente e corpo. Para cada parte dessas existe um especialista: a mente é para psicólogos, filósofos, ciência, enquanto o corpo é para a medicina (e seus “derivados”). Assim, temos a impressão de que nós não precisamos nos preocupar com nada disso, podemos viver trabalhando e consumindo, certos de que tem alguém que vai resolver quando alguma dessas coisas apresentar um problema. Mas essa é uma ilusão, e quando tentamos viver com base nela geralmente perde-se a qualidade da experiência humana, principalmente espiritual.
Quando ousamos criticar e transpor a antítese mente e corpo, percebemos que o corpo não é o lugar da experiência, ele é a experiência. Ele é o sujeito da percepção. Quando meu braço é tocado, você me toca. Diferente de quando toca meu computador. O corpo é quem tem as perspectivas da realidade. A experiência corporal nos permite criar e recriar aquilo que pensamos, e a nossa racionalidade traz novas experiências para este corpo. Não há antítese nesta relação, mas complementariedade.
Assim, podemos pensar no parto sagrado como uma experiência, individual e única, proporcionada por aquilo que acontece no corpo feminino. Já que falamos no corpo feminino, uma forma possível de alcançar o sagrado nas suas manifestações é percebendo que o corpo da mulher reflete fenômenos macrocósmicos da Terra, da Mãe Terra.
Os cultos antigos às deusas estavam ligados de alguma forma aos elementos da Natureza, ao cultivo da Terra. Foi a mulher quem primeiro aprendeu a cultivar a terra, seu ciclo reprodutivo é o ciclo de vida e morte, o ciclo lunar e reflete o funcionamento do cosmo. Mircea Eliade no seu livro “O Sagrado e o Profano” reconhece que a experiência sagrada feminina: “é sempre uma experiência religiosa profunda que está na base de todos os ritos e mistérios”. Ele diz ainda que: “O mistério do parto, quer dizer, a descoberta feita pela mulher de que ela é criadora no plano da vida, constitui uma experiência religiosa intraduzível em termos da experiência masculina”.
O momento de um parto, quando mais uma pessoa está para se materializar e dar a sua primeira tomada de ar, é um momento de profundos significados e símbolos. É uma repetição da história evolutiva humana, no momento em que os primeiros seres terrestres surgiram. É o momento em que a mulher está mais ligada à Terra, por que está depondo o fruto da sua fertilidade, está vivendo no seu corpo a vida e a morte. Está ligada ao cosmos, por que é o portal de entrada para uma nova vida, para as infinitas possibilidades que é um bebê. A sacralidade deste momento do parto é por nós intuída, então sentimos medo, temor diante daquilo que é maior que nós.
Adelise Noal Monteiro, no seu texto “Gestação e parto como símbolos”, coloca o seguinte dilema: todo o aparato médico requisitado para o momento do parto é um ritual – cheio de protocolos que não estão de acordo com as evidências científicas. O mistério é deixado sob a responsabilidade dos sacerdotes, a equipe de saúde. Isso tem várias conseqüências, dentre as quais destaco, para não sair do assunto, a tomada do corpo feminino como um objeto do ato médico e a perda da autonomia da mulher sobre seu próprio processo existencial naquele momento, já que combinamos aqui que o corpo é o sujeito da experiência.
Por outro lado, a autora lembra que retirar o parto dessa aura de mistério para vê-lo e vivenciá-lo como mais um evento fisiológico que não pede nenhuma atenção, seria arrancar deste momento a história ritualística que dedicamos ao parto e perder a sua potencialidade como experiência sagrada. É este mistério que pode nos levar à sacralidade.
Assim, o papel dos “humanizadores” do parto é proporcionar os ambientes internos e externos propícios para a experiência do sagrado. É criar, junto com todos os envolvidos, outra significação, outros rituais. Também para que a mulher entre em contato com seu corpo (ou consigo mesma), neste momento, de maneira ritualística, como se entrasse em um templo, em uma igreja reconhecendo as potencialidades espirituais desta experiência.
No seu artigo “O Parto: Encontro com o Sagrado”, Adriana Tanese Nogueira discute a sacralidade deste momento com base no depoimento de uma mulher que no último mês de gestação mudou a história do seu parto. Gostaria de fechar essa reflexão com um trecho da sua fala:
No exato momento do nascimento senti uma vibração, uma energia poderosa que preenchia tudo. Senti como se meu corpo e meu ego se dissolvessem e tudo fosse um. Entrei em comunhão com o universo. É impossível não estar absolutamente presente no momento do parto. As sensações, a percepção, o corpo e a mente ficam totalmente focados, centrados naquele instante, que por menor que seja, torna-se infinito.”

Bibliografia
Csordas, T. 2008. Corpo/Significado/Cura. Porto Alegre: Editora UFRGS.

Eliade, M. 1992. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes.

Monteiro, A.N. 2011. Gestação e Parto como símbolos. Acessado em 30/11/2011. http://www.amigasdopartogestantes.com/2011/01/gestacao-e-parto-como-simbolos.html

Nogueira, A. T. 2006. O Parto: Encontro com o Sagrado. Texto Contexto Enferm. 15(1). 122-130.

Otto, R. 2007. O Sagrado: os aspectos irracionais da noção do divino e sua relação com o racional. Petrópolis: Vozes.



sexta-feira, 4 de janeiro de 2013


Venham ler!

Revistei os textos postados aqui anteriormente, e a maioria era igual aos textos de todas a mulheres que começam a tentar engravidar. Sempre que vou chamar as mulheres de irmãs, sinto um estranhamento por que isso não é comum, fico preocupada se vocês vão achar falso. Mas eu realmente me sinto irmã de todas, somos filhas da mesma Deusa, nossos corações são unidos, e as minhas preocupações são as suas. Tudo comprovado nos textos de todas as blogueiras treinantes! E deliciosamente, somos cada uma únicas nas rugas, nos corpos e nas felicidades!

Por isso retirei os textos anteriores, e vou colocando aos poucos aqui o que a menstruação, a gestação, o parto, a amamentação e a maternidade tem me trazido. Sinto que este meu intento na verdade, jamais será realizado. Mesmo que eu tivesse todo o tempo do mundo para isso (e não tenho, pois todo o tempo do mundo está agora nas mãozinhas redondas do Pedro) as palavras não abarcam, jamais, este tipo de experiência. Não é mesmo, irmãs? As mulheres são feitas de um barro vindo de um mundo etéreo, caótico, eterno, infinito.  Vou tentar organizar as letras para que algo deste barro suje esta tela. Vamos ver se conseguirei, me proponho.