quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Saudade da Lua Vermelha



Antes de engravidar eu havia parado de tomar pílula pelo mal que estava me causando. Meu corpo já não sabia quem era, estava confuso entre envelhecer ou ficar jovem, entre gerar ou sangrar. Ele não sabia mais o momento de se preparar para algo. Para o que? Ele havia esquecido. 
Minhas emoções acompanhavam este corpo perdido, a unidade se partiu e eu era ora boa ora má, ora linda ora ogra, ora amada ora abandonada, ora masculino autoritário e agressivo ora feminino fraca e carente. Um caos com uma bela máscara suntuosa e carnavalesca de mulher resolvida e guerreira com uma vida na qual quase não cabe um filho. E me corroía as entranhas, por trás da imponente máscara, uma vontade louca de engravidar. 
Neste atropelo também não cabia menstruar. Se quando menina já tinha aprendido que era ruim, se quando menarquei fui tomada por uma força maior que meu corpo de menina e que minha alma de criança, se quando eu menstruava eu sempre sucumbia em dor e desafeto. Agora que desejava secretamente um filho, a cada mês que o sangue escorria escuro entre as minhas coxas eu recebia um atestado carimbado e assinado pela natureza de incompetência feminina, sentia raiva do corpo burro que recebia as células procriadoras e amorosas do meu querido e não sabia o que fazer com elas. No alto da minha prepotência e com a máscara grudada na cara, eu é que não sabia. 
Desculpa, corpo, você que é o ser mais sábio que me guia. Não sabia que você estava se recuperando de dez anos seguidos de intoxicação hormonal, que você precisava de mim pra curar 28 anos de intoxicação mental sobre a sua mais sagrada forma de expressão, a menstruação. Me perdoe amado corpo. Te admiro agora, profundamente e com muito respeito, por tudo o que você fez tão perfeitamente,  e vem fazendo, depois que decidi parar de brigar com você. Algumas lições são tão grandiosas que minha alma ainda não entendeu. 
Nos meses em que não engravidava, desciam mais lágrimas que sangue e eu sentia tristeza como em um luto. Resolvi viver o luto, e me deparei com a cara da morte. Olhando bem pra ela, não sem medo, eu entendi com o coração de mulher, que a menstruação é a preciosa morte a nos visitar todo mês. E que alegria e gratidão quando notei que tinha a oportunidade mensal de me desfazer de todo peso morto no meu corpo e nas minhas emoções! Claro que dói, claro que mexe, que dá "tpm"! É a morte! Ela, a ceifadora sinistra que vem arar o campo, arrancar as ervas, remexer a terra. Sem isso nada mais poderia ser plantado, nada de novo brotaria nem no ventre nem na vida. Abençoada seja menstruação, venha que te espero ansiosamente pra poder olhar no espelho nua, sem máscara, sem vício. Venha arar meu útero e minha vida para que eu possa me semear, me plantar e me renascer a cada ciclo! 
A beleza desta morte foi socialmente silenciada e negada, dentro das nossas casas passamos de mãe pra filha, entre amigas e entre irmãs apenas o horror da morte. Mas ela é mais, é grandiosa, misericordiosa e amorosa destruidora. Quando a encarei com amor e respeito, quando desejei minha menstruação, ela parou de doer tanto, parou de inchar tanto e já não pegava meu orgulho pelo pé. Então engravidei. E agora, que meu corpo tanto fez, por mim e pelo seu fruto de criação, o Pedro, a produção do néctar da vida (o leitinho de Pepê) ocupa um lugar em mim que eu ainda não enxergo. Talvez por que meu namoro com a Lua Vermelha tenha sido tão intenso mas tão curto que meu coração feminino está tomado de saudades!     


2 comentários:

  1. Que texto lindo... adorei é bem isso, precisamos estar sempre em sintonia com nosso corpo...
    Já estou te seguindo, seu cantinho é magico...


    http://meusonhoescritonasestrelas.blogspot.com.br/

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  2. Obrigada Rafaela, seja sempre bem vinda!

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Obrigada por participar!