Antes de engravidar
eu havia parado de tomar pílula pelo mal que estava me causando. Meu corpo já
não sabia quem era, estava confuso entre envelhecer ou ficar jovem, entre gerar
ou sangrar. Ele não sabia mais o momento de se preparar para algo. Para o que?
Ele havia esquecido.
Minhas emoções acompanhavam este corpo perdido, a unidade
se partiu e eu era ora boa ora má, ora linda ora ogra, ora amada ora
abandonada, ora masculino autoritário e agressivo ora feminino fraca e carente.
Um caos com uma bela máscara suntuosa e carnavalesca de mulher resolvida e
guerreira com uma vida na qual quase não cabe um filho. E me corroía as
entranhas, por trás da imponente máscara, uma vontade louca de engravidar.
Neste atropelo também não cabia menstruar. Se quando menina já tinha aprendido
que era ruim, se quando menarquei fui tomada por uma força maior que meu corpo
de menina e que minha alma de criança, se quando eu menstruava eu sempre
sucumbia em dor e desafeto. Agora que desejava secretamente um filho, a cada
mês que o sangue escorria escuro entre as minhas coxas eu recebia um atestado
carimbado e assinado pela natureza de incompetência feminina, sentia raiva do
corpo burro que recebia as células procriadoras e amorosas do meu querido e não
sabia o que fazer com elas. No alto da minha prepotência e com a máscara
grudada na cara, eu é que não sabia.
Desculpa, corpo, você que é o ser mais
sábio que me guia. Não sabia que você estava se recuperando de dez anos
seguidos de intoxicação hormonal, que você precisava de mim pra curar 28 anos
de intoxicação mental sobre a sua mais sagrada forma de expressão, a
menstruação. Me perdoe amado corpo. Te admiro agora, profundamente e com muito
respeito, por tudo o que você fez tão perfeitamente, e vem fazendo, depois que decidi parar de
brigar com você. Algumas lições são tão grandiosas que minha alma ainda não
entendeu.
Nos meses em que não engravidava, desciam mais lágrimas que sangue e
eu sentia tristeza como em um luto. Resolvi viver o luto, e me deparei com a
cara da morte. Olhando bem pra ela, não sem medo, eu entendi com o coração de
mulher, que a menstruação é a preciosa morte a nos visitar todo mês. E que
alegria e gratidão quando notei que tinha a oportunidade mensal de me desfazer
de todo peso morto no meu corpo e nas minhas emoções! Claro que dói, claro que
mexe, que dá "tpm"! É a morte! Ela, a ceifadora sinistra que vem arar
o campo, arrancar as ervas, remexer a terra. Sem isso nada mais poderia ser
plantado, nada de novo brotaria nem no ventre nem na vida. Abençoada seja
menstruação, venha que te espero ansiosamente pra poder olhar no espelho nua,
sem máscara, sem vício. Venha arar meu útero e minha vida para que eu possa me
semear, me plantar e me renascer a cada ciclo!
A beleza desta morte foi socialmente
silenciada e negada, dentro das nossas casas passamos de mãe pra filha, entre
amigas e entre irmãs apenas o horror da morte. Mas ela é mais, é grandiosa,
misericordiosa e amorosa destruidora. Quando a encarei com amor e respeito,
quando desejei minha menstruação, ela parou de doer tanto, parou de inchar
tanto e já não pegava meu orgulho pelo pé. Então engravidei. E agora, que meu
corpo tanto fez, por mim e pelo seu fruto de criação, o Pedro, a produção do
néctar da vida (o leitinho de Pepê) ocupa um lugar em mim que eu ainda não
enxergo. Talvez por que meu namoro com a Lua Vermelha tenha sido tão intenso
mas tão curto que meu coração feminino está tomado de saudades!
Que texto lindo... adorei é bem isso, precisamos estar sempre em sintonia com nosso corpo...
ResponderExcluirJá estou te seguindo, seu cantinho é magico...
http://meusonhoescritonasestrelas.blogspot.com.br/
Obrigada Rafaela, seja sempre bem vinda!
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