Estou envelhecendo. Chego aos trinta com o
peito murcho de amamentar, a barriga protuberante, a bunda caída. Minha pele
está mais áspera e marcada. Não tenho mais tanta energia pra virar a noite
bebendo, dançando e fumando em um ambiente com música alta e muitos amigos. Não
me cabe mais muita coisa. Nem roupa, nem situação, nem humor. Sinto nas costas
o peso do meu filho, do meu trabalho, da responsabilidade com minha família e
minha casa. Da responsabilidade com meus vizinhos, com minha cidade. Penso mais
naquilo e menos nisso, faço mais disso e menos daquilo. E reconheço,
reverencio, me entrego com languidez pra velhice que chega devagar.
Não é tão
cedo pra aceitar o destino que já vejo se fazendo no meu corpo. Loucura seria
negar qualquer transformação e chorar trancada no quarto, nua, abraçada no
espelho sincero. Seria estupidez alimentar uma indústria que vive do desespero
daquelas que se agarram nos anos passados, no corpo que já não existe, na
juventude que já se foi. Cremes, cirurgias, dietas, um batalhão lutando uma
guerra já perdida contra o Tempo.
Sinto que é melhor a entrega. É
relaxante, e todas as vozes que gritavam
o tanto que é feio a velhice feminina se tornam um sussurro longe... Ser velha
é bonito, eu consigo ver o quanto. Trilho o caminho visando o desfecho certo e
libertador da Morte. Sei que para ser velha é preciso olhar pro agora, pras
pedras que repousam no chão, pro vento que sacode as árvores, pros olhos de
cada um ao meu lado. É o caminho que importa. Cada fio de cabelo branco que aparece,
cada flacidez descoberta, cada ruga nova na testa me mostra que sou amante do
Tempo. Mostra o tanto que ele passou por mim, as vezes galopante e as vezes
preguiçoso, e me deixou tanto, levou de mim mais um bocado. Se torna um velho
amigo, um mestre querido, ou temido ou odiado. Eu aprendi. E isso é belo. Meu
corpo carrega a história, a minha e de todas as mulheres, carrega a origem e o
alimento de toda a humanidade. E isso é belo, é sagrado.
Uma das mulheres que
eu mais amo nesta vida é minha avó, ela é velha desde que eu nasci. E como ela
é linda, toda ela! Seu corpo murcho, os cabelos brancos que teimam em sair da
cabeça e passear através do vento, caindo em todos os lugares. Sua pele pintada
e cheia de veias azuis tortuosas como rios. Seu andar lento, as mãos trêmulas,
o cheiro de um suor seco e leite de rosas. Todo aquele corpo que conta uma
existência! Quantos suspiros naquele peito, quantos afagos daquelas mãos,
quantas lágrimas daqueles olhos caídos por trás do óculos grosso. Da sua boca
fina quantos sorrisos e gargalhadas e beijos e palavras! Quantos ainda
continuarão saindo daquele ventre através da descendência! Eu presencio todo o
milagre da vida naquela mulher tão linda e sagrada.
Uma mulher velha desperta
medo por que tem um poder tão gigantesco e misterioso que para ser adormecido
foi preciso uma desvalorização longa e sistemática, a mesma que transformou a
bruxa em um personagem de terror. Não há terror na Ansiã, há poder, beleza,
vida! É aquela que sabe a linguagem da alma, o segredo do tempo, a dona da
criação. É a tecelã, a cozinheira, curandeira, conselheira. É aquela próxima da
morte, que gerou vida, e que por isso sabe se comunicar entre os mundos. Você,
velha, é tudo isso. Está tudo aí.